Uma doença praticamente desconhecida no país, embora existente por aqui há mais de 60 anos, foi identificada pela primeira vez no Rio por análise molecular. E a Fiocruz, autora deste novo método, acendeu o alerta: a febre Q não é mazela exclusiva da zona rural - como já se chegou a pensar - nem pode mais ser confundida com outras enfermidades, entre elas a dengue.
Transmitida pela bactéria Coxiella burnettii, a febre Q, de tão resistente, é considerada um agente de bioterrorismo classe B, a segunda mais grave. Ainda assim, permanece anônima por aqui, o que não ajuda em nada os pacientes. Se a enfermidade é identificada em estágio inicial, o tratamento é rápido, barato e se restringe a antibióticos. Numa fase mais avançada, no entanto, suas vítimas dependem de remédios por cerca de dois anos, e, ainda assim, correm risco de morte.
Até a pesquisa da Fiocruz, a febre Q era identificada apenas por teste sorológico - um exame que detecta anticorpos, mas sem dar certeza sobre a presença da Coxiella. Mesmo este método mais primitivo, no entanto, é pouco adotado. Rio, São Paulo e Minas Gerais são os únicos estados com centros de pesquisa sobre a febre Q. Como ela não tem notificação obrigatória, inexistem estatísticas sobre sua ocorrência.
- Adotamos, no Brasil, a tranquilidade dos inocentes: se ninguém suspeita da doença, é como se ela não existisse - lamenta Elba Lemos, chefe do Laboratório de Hantaviroses e Rickettsioses do Instituto Oswaldo Cruz (IOC-Fiocruz), orientadora do trabalho que culminou na análise molecular.
Elba fez um pedido formal para que o Ministério da Saúde torne obrigatória a comunicação sobre casos da doença.
- A febre Q pode não infectar milhões, mas provoca um impacto qualitativo: entre os poucos casos que evoluem, há um percentual preocupante de mortes - avalia. - E essas fatalidades ocorrem justamente por ela ser negligenciada.
Em outros países, a febre Q desperta mais preocupação. Na Austrália, onde foi registrada 20 anos antes, já se desenvolveu até uma vacina contra ela. Holanda e França registraram recentemente surtos da doença.
Segundo Elba, a febre Q é uma doença ocupacional - atinge principalmente os profissionais que têm contato direto com produtos dos animais infectados, como o muco vaginal, leite, fezes ou urina. Mas o vento e os carrapatos encarregam-se de levar a bactéria para longe. Fora do organismo, ela se transforma em partículas e se dispersa no ar. Nesta condição, viaja até 2 km.
Mal-estar é confundido com pneumonia: até duas décadas atrás, pensava-se que os seres humanos só teriam de tomar cuidado com animais rurais, como bois e cabras. A ilusão acabou quando foram encontrados gatos com placenta infectada no Canadá. Uma prova da dispersão da Coxiella pelas cidades ocorreu recentemente em Copacabana, onde um homem foi diagnosticado com febre Q. Ele trabalhava em frente a um pet shop.
Em mais de 90% dos casos, a febre Q não provoca grandes transtornos no organismo humano. Nada mais grave do que uma febre baixa (de até 38°C) e um mal-estar que se prolonga por cerca de duas semanas - muitas vezes diagnosticado como "pneumonia atípica".
- Alguns infectados podem não desenvolver qualquer sintoma - ressalta Elba. - A bactéria fica latente por anos, como ocorre com a toxoplasmose. Depende da quantidade de partículas inaladas, da idade do paciente e, principalmente, se toma medicamentos que retardam o sistema imunológico.
É comum que um infectado pela febre Q, ignorando totalmente a presença da Coxiella em seu organismo, tome remédios imunodepressivos para curar-se de outras doenças. É a senha para que a bactéria entre em atividade.
- A partir daí, qualquer órgão ou tecido pode ser prejudicado - alerta a pesquisadora da Fiocruz. - Entre os sintomas estão pneumonia grave, que se arrasta por mais de um mês; hepatite; endocardite (inflamação do endocárdio, a membrana que forra o coração) e até complicações no sistema nervoso.
O proprietário que souber que seus animais estão infectados deve isolá-los para tratamento ou submetê-los à eutanásia, sempre orientado por um veterinário. Também é recomendável pasteurizar o leite antes de bebê-lo e evitar o contato com mato alto, onde há carrapatos, que contribuem para a difusão da bactéria.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/ciencia/mat/2011/08/05/fiocruz-identifica-febre-resistente-rara-925070277.asp#ixzz1UD5QvmjB
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