As precipitações quase que diárias que vinham ocorrendo desde o mês de dezembro culminando com as fortes chuvas ocorridas na noite do dia 11 para o dia 12, sem dúvida foram os principais agentes desencadeadores dos processos erosivos de escorregamento de talude, assoreamento das coleções hídricas e o consequente transbordamento dos leitos fluviais. Nesse contexto, nessas áreas onde ocorreram esses fenômenos geomorfológicos, em muitos dos casos havia ocupações humanas, verificando-se grandes tragédias e destruições envolvendo muitas mortes, desaparecimentos e desabrigos.
Alguns desses processos erosivos (que sob a ótica geomorfológica é um processo natural de peneplanização do relevo) ocorreram aparentemente sem qualquer ação humana onde o principal agente catalisador pode ter sido o alto índice de precipitação saturando o solo e promovendo seu escorregamento principalmente nos litossolos embasados em escarpas cristalinas. Em alguns desses locais houve desprendimento de matacões rochosos (abrindo-se a possibilidade de que os deslocamentos de ar provocados pelos trovões ocorridos tenham contribuído para esses desprendimentos).
Outro processo natural de deslizamento de talude se deu em função do transbordamento dos córregos (por excesso de pluviosidade ou por assoreamento do seu leito) solapando as bases de algumas encostas já saturadas pelas chuvas, mesmo florestadas, desestabilizando-as. Porém na maioria dos casos – 70 a 80% – das ocorrências de deslizamento de taludes e de escoamento superficial, tiveram as ações humanas como coadjuvantes nesse processo, nos seus mais distintos graus de intervenção.
Falta de redes de drenagens de águas pluviais ou redes precárias, ocupações desordenadas em áreas de encostas, nos topos dos morros, e nas suas bases, com habitações e aberturas de estradas de acesso para variadas atividades com ou sem edificações; podem ter sido os principais agentes catalisadores.
Como consequência dos altos índices pluviométricos, dos escoamentos superficiais e dos inúmeros casos de escorregamento de talude, as coleções hídricas transbordaram atingindo áreas urbanas do município invadindo imóveis residenciais, industriais e comerciais causando sérios prejuízos materiais a milhares de pessoas.
Essas fortes chuvas concentraram-se na região das cabeceiras do Rio Grande, tributário do Rio Paraíba do Sul, e que geraram vários prejuízos nas localidades situadas à jusante, como a destruição de pontes, alagamento de áreas ribeirinhas e deslizamento de alguns taludes próximos ao rio.
Observações pontuais e significativas:
- Encostas ocupadas por eucalyptocultura mostraram-se suscetíveis à erosão, inclusive com a colaboração de abertura de estradas de acesso cortando suas encostas e topos de morros, estradas essas utilizadas para viabilizar sua exploração (plantação, extração e transporte).
- As Araucárias Angustifóilias existentes de forma bem esparsas e pontuais nas encostas, mostraram-se bem estáveis suportando grandes deslizamentos de talude devido provavelmente ao seu sistema radicular.
- As implantações de torres de telefonia celular e suas necessárias vias de acesso, presentes nos topos dos morros, possivelmente contribuíram para desestabilizar taludes facilitando a penetração das águas das chuvas no solo.
- Áreas de pastagens já degradadas após inúmeras queimadas também apresentaram-se frágeis e bem suscetíveis a processos erosivos.
- Em muitas encostas que deslizaram foi observado processo de escavação de suas bases para atividades antrópicas tais como edificações comerciais, industriais e mesmo residenciais, que certamente contribuíram para esses fenômenos.
Conclusão:
Em sua grande maioria, em áreas com a presença de ocupações urbanas e semi-urbanas, fica claro a inobservâncias dos princípios estabelecidos na Lei de Uso do Solo Urbano, Lei 6.766 de 19 de dezembro de 1979, especialmente nos seus artigos 2º, 3º, 4º e 5º. A falta ou precariedade de redes de escoamento de águas pluviais, ocupações localizadas em áreas sujeitas à inundações, em áreas onde as condições geológicas são desaconselháveis, em encostas superiores a 30%, etc.
Da mesma forma muitas atividades humanas foram realizadas com inobservância do que preceitua o Código Florestal, Lei 4.771/65, promovendo supressão de vegetação de preservação permanente visando usos e ocupações com atividades das mais variadas desde a eucalyptocultura, criação de gado até a construção de habitações.
Todas essas ocorrências se deram em áreas urbanas, semi-urbanas, de expansão urbana e em áreas rurais, todas de competência do Município e do Estado, onde o IBAMA atua supletivamente, de acordo com o que é estabelecido na Política Nacional do Meio Ambiente, Lei 6.938/81 e na sua Resolução CONAMA nº 237/97.
A questão nos direciona para a precária fiscalização dos poderes públicos no que se refere ao uso e ocupação das áreas urbanas e rurais, ignorando sobremaneira as determinações estabelecidas nas leis que regem a matéria e que pudemos citar neste relatório.
Sobre a questão da supletividade do IBAMA é preciso que se repense o nosso papel no sentido de executar e fazer executar a política nacional de meio ambiente, conforme preconiza a lei 6.938/81, em que o fazer e executar deva necessariamente estar munido de procedimentos legais claros e bem definidos na relação do IBAMA para com os órgãos estaduais e municipais de meio ambiente, sem se contrapor à funcionalidade do SISNAMA (Sistema Nacional de Meio Ambiente).
Esta problemática não é prerrogativa específica dos municípios da região serrana do Rio de Janeiro. É obviamente um pequeno item no complexo processo de uso e exploração dos recursos naturais brasileiros em que o nosso modelo de urbanização, com todas as nuances socioeconômicas se inserem.
Convém informar que, com as alterações geomorfológicas ocorridas, muitas áreas até então aparentemente estáveis agora passam claramente a compor as áreas de risco, o que sugere certa preocupação de que novos eventos pluviais comuns na Região Serrana em época de verão, possam gerar novos deslizamentos e enchentes provocando mais destruições. As feridas foram abertas. Está claro, para todos, os caminhos por onde as políticas públicas de recuperação das cidades atingidas devam seguir.
Publicado pelo Nova Imprensa em 10/02/2011.
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